sábado, 14 de maio de 2011

GUIA DE SOBREVIVÊNCIA

1. Organize-se antes que eles despertem!
2. Eles não sentem medo. Por que você deveria?
3. Use sua cabeça: corte a deles.
4. Lâminas não precisam ser recarregadas.
5. Proteção ideal: roupas apertadas, cabelos curtos.
6. Suba a escada, mas destrua ela depois.
7. Saia do carro, suba na moto.
8. Mantenha-se em movimento, fique escondido, fique quieto, fique ...

sexta-feira, 13 de maio de 2011

                                                 AVISO

Se você está lendo este aviso, então isto é para você. Cada palavra lida deste texto inútil é um segundo perdido da sua vida. Você não tem nada mais para fazer? Sua vida é tão vazia que não consegue vivê-la melhor? Ou você está tão impressionado com a autoridade que você respeita em todos aqueles que a exercem em você? Você lê tudo que deveria? Pensa tudo o que deveria? Compra tudo que lhe dizem para comprar? O quê você faz para melhorar sua cidade, seu país, seu mundo? A política está em crise, afogada na corrupção e você não faz nada? Saia do seu apartamento. Encontre alguém do sexo oposto (ou como queira). Pare de comprar e de se masturbar tanto. Peça demissão. Comece a brigar. Prove que você está vivo. Seja a mudança que deseja ver no mundo, ele não precisa de você para ir mal! Se você não fizer valer pelo seu lado humano, você se tornará apenas mais um número. Você foi avisado... O Cínico




Prefiro ser ‘uma’ metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo...

Espelho

O relógio digital mudou seus números, indicando quinze horas, seguido do som da rádio local. Ao ouvir a música, abafada pelo chuveiro, John fechou o registro e começou a preparar-se.

Minutos depois, fazia o nó da gravata vermelha, sua cor preferida, enquanto assoviava. Era um homem comum, com pouco mais que cinqüenta anos, de cabelos levemente grisalhos e barba bem aparada.

Era um dia decisivo, pois seria julgado mais uma vez. Já havia perdido a conta das vezes em que estivera em um tribunal e sempre, por astúcia própria, conseguia se safar. Encarou seu reflexo no espelho e quando sorriu para si, confiante que tudo daria certo naquele dia, sua imagem não retribuiu o gesto, fazendo-o erguer a sobrancelha, espantado.

- Você... – murmurou, lembrando-se do passado, cerca de trinta anos atrás.

Era outro quarto, de uma casa bem maior, na qual uma vida promissora iniciava-se. Elizabeth havia engravidado antes de completarem um ano de casados e, por ser o primeiro neto de ambos os lados, causou grande euforia nas famílias. Por volta do oitavo mês de gestação, John teve dificuldades em dormir, pois Beth como a chamava, mexia-se bastante durante a noite. E numa das diversas madrugadas perambulando pela casa, revelou à penumbra seus anseios... Havia casado jovem e estava prestes a ser pai. Suas noites de aventuras com os amigos haviam acabado. Não haveria mais a emoção de pisar fundo e ver o velocímetro atingir seu limite ou levar para a cama as maravilhosas beldades que poderia conquistar. Era o fim daquela vida.

Quando retornou ao quarto, sentou-se à frente do espelho e encarou-se, procurando em seu semblante o homem que deveria tornar-se. Apenas a fraca luz do abajur iluminava o quarto. A temperatura havia baixado, apesar das janelas fechadas.

Sua esposa moveu-se inquieta, chamando sua atenção. Mas quando voltou seu rosto para observá-la, notou pelo espelho que um vulto acariciava sua barriga. Levantou-se assustado e procurou pelo quarto, sem nada encontrar. Olhou para o espelho novamente. Estava ofegante, sentindo o coração bater fortemente. Vasculhou novamente o quarto e nada encontrou.

- Preciso dormir... - pensou.

Sentou-se novamente, temeroso em olhar no espelho. Deixou as sandálias de lado e riu de si próprio. Não se conformava em estar com medo de encarar o próprio reflexo. Permaneceu ali, imóvel, decidindo se deitaria rapidamente e cobriria a cabeça ou se levantaria os olhos e encararia seu medo. Por fim, olhou no espelho.

- Minha Nossa! – ergueu a voz ao ver que seu reflexo estava de pé, apoiado com os braços no vidro, encarando-o.

- Não é para tanto... – respondeu o reflexo. E olhando por cima dos ombros, para a mulher grávida, aconselhou: - Baixe a voz, são três da manhã... Você não quer acordá-la.

John levantou-se pasmo. A abordagem o acalmara estranhamente. Caminhou até o espelho e permaneceu ali, paralisado.

- Por favor, permita-me apresentar-me... – sussurrou o reflexo.

- Sim... – respondeu quase sem voz.

- Sou um homem de riquezas e muito bom gosto. Ora... Sou você! Sua outra vida... Sou aquilo que você perdeu. – continuou.

- Eu perdi para ganhar... – respondeu John, considerando-se maluco por falar consigo mesmo.

- Claro... Você está bem. Está feliz. Não há razão para eu estar aqui, você não quer saber como seria a noite de hoje, na sua outra vida... – o reflexo insinuou que partiria, se é que fosse possível fazê-lo.

- E como seria? – John incentivou-o a continuar.

- É difícil explicar... Mas, coloque sua mão na minha e terá sua amostra grátis. – o reflexo sorriu, estampando a mão no vidro.

John hesitou. Pensou nos seus anseios e disse a si mesmo que não tinha nada a perder com aquela loucura. Como seria sua vida se não tivesse feito um juramento de fidelidade com Beth? Respirou fundo e, hesitante, tocou a mão na de seu reflexo. Nada aconteceu.

Seu reflexo sorriu e sentou-se na cama, observando-o. John encarava-o com expressão confusa. Quando resolveu dizer algo, uma voz suave chamou-o:

- Vai nos deixar esperando, John?

Quando se virou, engoliu em seco: Duas mulheres maravilhosas, em trajes provocativos, decoravam sua cama. Encarou seu reflexo, aguardando instruções.

- É sua vida, garoto, quando terminar basta me chamar e tocamos as mãos... – disse o reflexo, deitando-se. – Se quiser, poderemos fazer isto por algum tempo... Mas o que vai fritar seus miolos é a natureza do meu jogo.

Assim havia ocorrido e John ignorara o comentário. E na noite seguinte repetiu-se. Através do espelho, John teve acesso à vida de que havia abdicado. Durante o dia, vivia com Elizabeth. À noite, tinha livre acesso a seus desejos mais profundos.

Com o avanço da gravidez, Elizabeth teve seu humor alterado e, com o sono acumulado, algumas desavenças começaram a ocorrer. Era fácil dormir de dia para escapar dos incômodos diários e, durante a noite, experimentar sua outra vida. No dia em que uma discussão inflamou-se e Elizabeth fora esfriar a cabeça na casa de sua mãe, John esperou ansioso até que o relógio marcasse três da manhã.

Ela havia exagerado nas palavras e ele, ofendido, não via a hora de encher a cara e esquecer daquela vida. Mas quando o relógio mudou seus números e o reflexo moveu-se por conta própria, somente John colocou a mão no espelho.

- Vamos! - pediu com olhos marejados.

O reflexo moveu a cabeça negativamente.

- O que foi? - John irritou-se.

- As regras mudaram... - declarou o reflexo, irredutível.

- Como assim, regras? Nunca houve regra alguma... - revoltou-se.

- Como não? Você sempre teve que segurar na minha mão para vir para meu mundo. – respondeu o outro, abrindo os braços.

- E o que devo fazer agora?

- Acalme-se... – o reflexo ergueu uma sobrancelha, observando-o. – Chega uma hora em que você tem que se decidir... Ou realmente acreditou que viveria duas vidas para sempre?

- Já me decidi! – John forçou a mão contra o espelho. - Vamos logo!

- Não quer pensar um pouco? – perguntou o reflexo, aproximando-se.

- Tive um pouco de cada vida nas últimas semanas... Já pensei por tempo suficiente. – respondeu.

- Você é quem manda, garoto. Lembre-se de que não tem volta.

- Toque minha mão! – ordenou John .

- Desta vez, você precisa cortá-la. Tem que ter um pouco de sangue, para mostrar que você realmente quer isto. Regras... – o reflexo riu.

John deu um passo para trás e procurou pelo canivete nas gavetas, pegou-o e cortou a mão. O reflexo seguiu seus gestos impecavelmente. Os dois caminharam, estenderam os braços e tocaram-se.

O telefone tocou, fazendo-os olhar em volta, confusos. O reflexo afastou-se, atendendo a ligação.

- Alô? Oi, sogra! Ah é? Claro... Claro... Estou indo!” - desligou o telefone e levantou-se apressado.

- O que aconteceu? – John perguntou do outro lado do espelho.

- Meu filho está nascendo! – relatou o homem. - Mas isso não é mais da sua conta garoto.

- Como assim?

- Tá vendo o sangue no espelho? Você deixou esta vida. Sua alma agora pertence ao outro lado... O melhor é curtir, hein.

- Mas... O que eu faço agora?

- As mulheres estão aí... – o reflexo lembrou-o, antes de fechar a porta.

– O complicado é que depois de um tempo, ficar sempre olhando para este quarto enjoa.

- Você... – John voltou a si, deixando a viagem no tempo para trás. Sorriu novamente para o espelho e murmurou:

- Ninguém melhor do que você para saber que não quero conversa com meu reflexo, mas vou explicar novamente: Já faz trinta anos... Pare de ficar nos olhando. Eu quero dormir em paz com sua mulher e brincar sossegado com seu filho e os meus outros dois diabinhos. Um homem quer privacidade...

- Demônio! – O reflexo exaltou-se, batendo os punhos contra o vidro.

- Não é disso que sua esposa me chama...

- Demônio! - John batia os punhos contra o vidro.

- Preciso ir... Minha vida anda um pouco conturbada... – John afastou-se e, após apagar a luz, declarou:

- Aproveite as mulheres... Este corpo já não é o mesmo. Acho que logo nosso pacto se consumará.

Muriel Lobato